quinta-feira, 30 de junho de 2011

Epitáfio

Não sou do tipo suicida, mas às vezes penso em morrer. Vontade que dá e passa. Vontade de morrer, mas só um pouquinho, só para sentir como é não sentir. De qualquer forma, ainda não estou pronta para a morte definitiva.Antes de morrer, quero escrever o que será lido em minha lápide.
Entretanto, o que poderia dizer sobre mim?
Sou sagitariana e florbeliana. Sou todas essas Anas possíveis e impossíveis que existem e subexistem dentro de mim. Às vezes sou Pedro também, quando luto contra lágrimas, quando pego o botijão de gás, quando chego em casa no último ônibus, a última passageira.
E as Anas? As Anas são muitas, todas elas se amando e se odiando, entre a sombra e a luz. Tenho a Santa Ana, a mais chata de todas as Anas, que insiste em acreditar que tudo pode dar certo e ama incondicionalmente. Esta Ana tem o vil defeito de julgar os atos humanos, inclusive os seus. É esta que acredita que de fato deve existir Deus em algum lugar na imensidão do Universo.
Existe a Ana aventureira que sonha com uma paixão avassaladora por um arqueólogo que a faça ganhar o mundo e conhecê-lo assim como conhece seu rosto refletido no espelho.
A Ana vaidosa tem sobrevivido, embora não saia muito de casa atualmente. Essa Ana adora pintar as unhas e sabe que a calcinha que se usa com uma calça jeans é muito diferente da que usa-se com um vestido de malha. E por falar em calcinha, existe até uma Ana bacante que é uma Ana que poucos mui bem escolhidos viram se revelar. Esta Ana sabe que só se vive uma vez e, por isso, quer vivenciar tudo em cada célula, em cada pequena fibra do seu corpo e da sua alma.
E há também, não nos esqueçamos, a Ana sonhadora que é a pior de todas as Anas. É esta Ana que se crê escritora e tem a estranha mania de poetar. É a Ana que se apaixona e se ilude. É a Ana que está constantemente a esperar por algo que seja tão maravilhoso, tão perfeito que rompa com a lógica da Ana estatística . Esta, aliás, sabe que tem 99% de chance de escolher o cara errado para assenhorar-se de seu coração e que, mesmo se decidisse nunca mais sair de casa, teria 65% de chance de morrer antes dos trinta anos, morte que poderia variar desde um ataque cardíaco até uma explosão causada por um desastre de avião no seu quintal.
São muitas Anas e eu sou todas elas, que se manifestam juntas e separadas, em conjunção ou disjunção. Sou apenas mais uma mulher. Não paro o vento nem sei quantas estrelass há no céu. Para falar a verdade, eu sequer aprendi a assoviar. Não sou nada genial, não tenho um olhar fatal. Quando eu passo, não paro a rua. Não aprisiono corações, mas também não permito que aprisionem o meu. Não espero mais por milagres, acho que nem a Santa Ana. Não volto para ex-amores.Não me conformo em assistir um filme apenas uma vez.Tenho fobia de borboletas. Às vezes choro sem saber porquê. Não acredito em amor à primeira vista. Às vezes falo sem saber o que dizer, o que é um péssimo defeito, eu sei. Sou apaixonada pelo cheiro de terra molhada e vou contar um segredo: não penteio o cabelo todos os dias. Fico entediada no inverno. Muito entediada.
É, pensando bem, eu até corro atrás do vento de vez em quando. E conto as estrelas.
E o epitáfio? Não dá para escrever tudo isso no meu túmulo. Mas eu sou tudo isso. E muito mais. Não somos todos nós, paradoxalmente únicos e vários ao mesmo tempo? É, de fato, preciso de mais algum tempo para descobrir como posso me definir em tamanho suficiente para a inscrição num túmulo.
Enfim, sou sagitariana e florbeliana. Sou todas essas Anas possíveis e impossíveis que existem e subexistem dentro de mim.

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