segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Monólogo da janela

Estive a procurar a constelação do teu nascimento. Almas partidas, perdidas, onde moram? Eu não conheço as estrelas. Mas contemplo-nas. E elas pousam a minha janela sempre que o Sol se despede. Vigiam meu sono. Testemunham as minhas insônias. Vejo o centauro correr no céu. Sempre mais longe lança suas flechas. E sempre mais longe as anseia lançar. E quanto mais corre, mais sua amada constelação foge de si. E tu foges de mim. E o instinto do lado equino age sempre pela impulsão. E caminha errante. Não, nunca caminha. Corre, pois tem pressa e medo de perder tempo. Tempo é existência, é vida. E o que é humano no centauro, quer sempre saber o que não sabe e o que sabe duvida que saiba só para que os que sábios são ensinem novamente. Às vezes o centauro para quando vê bifurcações. E trifurcações. E escolhe um caminho. E erra muitas vezes e perde-se na floresta. E desespera-se. Até que vê uma linda e frondosa árvore. E uma pedra engraçada. E um bichinho desconhecido. E sente a chuva cair devagarinho. E ouve as aves que gorjeiam. E pensa que se perder é talvez a única forma de se achar. E que digam que sua alma é perdida! Que mal há? Minh'alma é também partida. Somos dois? Somos um? Confundo-me agora. Antes que pudesse tua constelação encontrar, o céu enublou-se com nuvens avermelhadas. Nuvens vermelhas do que nosso fado. Não esse fado que ouço agora. O outro fado. Aquele fado que toca sempre quando desapaixono-me por ti. E que não termina sem que antes esteja eu mais uma vez perdida em tua constelação. Perdida nesta floresta misteriosa, fria, silente e ígnea que é o querer-te. E que traz-me à janela. E faz-me perguntar aos céus quanto tempo ainda tenho. E se nossos tempos podem juntos caminhar. E mais uma vez vejo que o sono começa a falar. E o ar gélido lembra-me que são horas de fechar a janela. Minha janela que de tanto o teu nome ouvir procura comigo tua constelação.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

À lápis

Penso que nunca contei. Mas a verdade é que escrevo a minha história sempre à lápis. Não consigo confiar na caneta. Ela parece-me tão definitiva, tão imutável! E quero que a minha história seja como um rio. Sempre águas diferentes. Outras águas. Entretanto não penses, meu mais querido entre todos os outros e, ainda assim, inomenável senhor, que a minha história escrevo à lápis para mais tarde apagar supostos erros e desvirtuações. Não. Os erros eu não apago. Antes, risco-nos com meu lápis. Faço tal coisa a fim de não tornar a lê-los constantemente e, com isso, perder o foco, deixar de lado o tanto que ainda tenho a escrever sobre a minha história. E não apago-nos pois não quero iludir-me de que os erros não ocorreram. Quero rememorar que erro sim. Sempre. Erras tu também, não é verdade? E sabes, meu mui estimado senhor, o que gosto em especial? Gosto quando partes da tua história misturam-se a minha. Gosto quando histórias tuas são minhas. Gosto quando histórias minhas são tuas. E bem sabemos, também escreves histórias. E o fazes tão bem! As tuas histórias são as mais perfeitas histórias que já li, senti, vivi. Hão-de dizer que foi o amor quem agora falou. E tu, sempre tão descrente, hás-de sugerir que tudo não passa de encantamento. Insto-te apenas, meu bem, que leias todas as minhas histórias. Se assim fizeres, saberás que engana-te. Não notaste que estás em todas as minhas orações? Carrego tanto de ti em mim! Ficção, vida real, sempre presente. Preciso despedir-me. O lápis apressa-me. Quer continuar a correr e correr sobre o papel. Sempre travesso. Sempre instintivo. Sempre suave. Mas antes, peço-te: escreves comigo um dia? Talvez o final da história. Talvez o começo. À lápis.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

A conversa notívaga

Quem dorme? Eu não durmo. Não consigo. E já nem tento. Tu dormes? Sabe aquela conversa que nós nunca tivemos? Ela está aqui. Viva, extensa, eterna. É, é ela. Há quanto tempo não conversamos? Não,não falo dessas frivolidades que dizemos um ao outro e fingimo-nos satisfeitos. Estou a falar de uma conversa de verdade. De falar e falar e expor o que temos dentro do coração. Será que podemos conversar agora? É que eu preciso mesmo falar. Preciso que compreendas o que eu digo. Podes, por favor, prestar atenção em mim? É que faltava-me coragem. Estive pensando em nós. Nas nossas conversas antigas. Falávamos sobre tudo. Sinto tanto a falta disso! Não, mentira. Eu falava sobre tudo. Acho que obriguei-te a gostar de mim. A culpa é toda minha. E fui eu também quem fez que deixasses de desejar-me. Eu sei que errei primeiro. Nada faz sentido. Acho que é o sono. Mas tenho medo de pegar no sono. Vou perder a coragem de falar. Será que amanhã vais me escutar? Falta pouco para amanhecer. O dia quer clarear. Minhas pálpebras pesam. Não posso dormir. Não quero que o amanhã se transforme em hoje. Lembras da nossa primeira conversa? Acho que não. Eu lembro. Eu a planejei. Eu queria-te tanto e tão bem! Será que amanhã ainda vou gostar de ti? Estou a perder as forças. O sono está a vencer-me. Mais uma vez adio nossa conversa. E nossa vida vai ficando para um depois que nunca há-de existir. Ficarei cá só mais alguns minutos. Prometo voltar logo para a cama. Nossa cama fria. Dorme. Eu durmo. Não sonhamos. Os sonhos, estes também ficam para depois. Quem dorme? Tu dormes belo e sereno. Meu anjo intocável. Conversamos amanhã.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Um violino em Madrid

Cá estou sentada à escadaria da Catedral de Nuestra Senhora da la Almudena. Um homem toca violino. Perco-me. Sempre perco-me. Em lugares, em palavras, em pessoas. Perco-me em olhares e em silêncios. E em violinos.Cá estive no sábado. Lembro-me de estar triste e pesada e de sair capaz de voar novamente. Gosto do som do violino. Gosto do som das moeda serem depositadas na caixa do violino. Gosto de ver toda essa vida ao meu redor. Casais apaixonados beijam-se, tocam-se. Pais afetuosos conversam e brincam com seus filhos. Amigos olham-se nos olhos enquanto trocam ideias. Pessoas vão. Outras pessoas vem. O violino não se cala. Nem a vida. E cá continuo a esperar. Não sei o quê. Não sei porquê. Não quero ir. O violino analgesia-me. E o tango que agora soa faz-me viajar. Imagino um homem alto e de pele morena aproximar-se de mim e, com um simples gesto, convidar-me para dançar. E num instante, sinto-me solta nas constelações. E agora saem do violino as notas de "Con te partiro". Mas eu parti sozinha. Sempre sozinha. Sempre sozinha? De onde vem esse medo? Do que tanto tenho medo? O que dói eu não sei. Só sei que dói incessantemente. Mesmo acompanhada, estou sempre só. E afinal, quem nunca abandonou por medo de abandono? Partir. É, faz sentido. Quem não parte-se ao partir? São tantas partidas que acumulo em vinte e dois anos que chego a perguntar-me: o que resta de mim? Que parte minha pertence-me? Um pai pega sua filha e carrega-no colo. Que saudades dos tempos em que eu tinha direito a receber colo! Saudades de sentir-me abrigada e protegida pelo simples fato de ter braços ao redor. Agora o violino incessante acaba de vez comigo. No ar propaga-se uma canção medieval que lembra-me infância, desejos secretos e amores perdidos. Amor perdido. Amor nunca encontrado. A hora da partida está a aproximar-se. Eu não quero partir. E se eu tocasse violino? Saberia falar o que sinto através de notas já que com palavras parece que nunca irei sabê-lo? Passa um casal. Ela sorri e fixa seu olhar nele. A mão, ao lado dele, parece inquieta. Ele sorri, diz algo e abaixa os olhos. E continuam a caminhar lado a lado. Nenhum toque. Nenhuma aproximação. A cena contrasta com a música romântica. A cena contrasta com a Espanha romântica qu conheci nos últimos dias. Parto. Parto-me novamente. E deixo parte parte de mim com estes quatro amigos que sorriem e abraçam-se livres de preconceitos bobos. E outra parte com este violino de Madrid.