quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Outros pecados

Recomeça a vida toda vez que piscam os olhos. E em cada recomeço faz-se céus e terra. O dia durou mais do que deveria. Os meus dias são longos quando tão separados dos teus. Os teus. Ateus dançam agora no nosso esquecido Jardim do Éden. Quiseste provar as delícias do fruto proibido nos meus lábios. Meu pecado teve gosto de desconhecimento. Depois de pecar perdemos o dom de enxergar. Não reconheço mais teu rosto. Vejo um, vejo dez, vejo cem. Todos os rostos que vejo são iguais. Sinto falta de um tempo onde eu cria ser teu rosto diferente de todos os outros rostos. Abel ou Caim? Não sei. Nunca soube. O dilúvio apagou teu perfume das minhas narinas. Castigo para amante de nefilins. As águas apagaram minha existência. Sempre estrangeira em terra distante. Não pertenço à nenhuma das doze tribos. Na tua casa não entrei porque meus muitos deuses ofendem-te. Queres-me. Persegue-me. Não entendo. Não entendo! A carne que beijas à noite, quando dia, queimas em praça pública. Um filho do teu Deus salvou-me do apedrejamento, mas teu olhar continua a condenar-me. Teus olhos crucificam-me. Mesmo depois de por serapilheira, raspar minha cabeça e receber nome cristão, tu pensaste em mim como indigna de ti. “O cão volta ao seu vómito”. Recito teu Livro Sagrado e volto aos meus deuses que nunca abandonaram-me. Recomeça a vida toda vez que piscam os olhos. Que haja a luz!

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Ruínas

Quanto tempo faz que nosso tempo se desfaz? Os tempos não voltam jamais. Não foram sete tempos e meio como na profecia, mas também estamos em ruínas. Nossas muralhas fortificadas são hoje só pó da grande civilização que fomos. O Livro Sagrado não conta a nossa história. Não fomos heróis. Deixamos o amor morrer. Fugimos da guerra por medo da morte e veja só, meu bem, morremos. A culpa foi mais minha que tua. Preferi ver-te transformado em covarde do que queimado em praça pública. E a vergonha fez com que fugisses de mim. A vida é uma faca de dois gumes. Agora sou só algumas pedras, resquício da muralha que um dia fui. Vejo homens subirem em minhas costas e narrarem as histórias que desconhecem sobre nós. Não estamos no Livro Sagrado. Não fomos perversos. Mesmo quando tentamos ser maus, algum amor nos salvou da perdição. E a todos os nossos pecados pagamos. Eu senti o calor da fogueira até virar cinzas. Hoje o céu está cinza. Tudo está cinza. O Livro Sagrado esqueceu-se de nós. Não somos santos. Das nossas mãos ainda goteja o sangue dos inocentes que cruzaram o nosso caminho. Todo mundo é culpado. Todo mundo é inocente. O tempo revela as nossas culpas. O tempo perdoa nossas falhas. Não temos mais tempo. O fogo volta a consumir nossas arruinadas fortificações. Desafiamos aos deuses e eles nunca nos perdoaram. Não perdoarão.