quarta-feira, 27 de junho de 2012

Fim de Primavera

E foi-se a Primavera dos meus dias. Chegado é o Verão. Não é que não existam mais flores, mas estas foram ofuscadas pelo brilho do sol. E foram-se os versos da vida minha. Em prosa se fazem os meus dias. Poesia é para quem vive em eterna Primavera e eu, quem diria, decidi aceitar o fim da minha Primavera. O sol já não é ameno, queima a minha pele. Marcou-se o meu espírito. Os amores já não tem tons suaves de azuis, rosas, verdes. Agora eles tem a intensidade fugaz dos vermelhos, laranjas, amarelos... Acho que os amores de Verão nem sequer amores são. É tudo quente. Tão quente que ao fim do dia descubro-me cansada, acabada, nauseada. Mas é mesmo assim que se vive em Verão. Andei a pensar que deveria ter aproveitado mais minha Primavera. Ter visto as tulipas florescendo. Não consigo lembrar-me ao certo do dia em que o Verão chegou. Foi um processo lento, gradual e ao mesmo tempo, rápido demais. É tanto calor! E estes mergulhos em águas incertas só o abrandam por alguns poucos minutos. O corpo pede mais. O espírito pede paz. Entretanto, bem sei que a vida é sempre cíclica. A Primavera há-de retornar. Porém, antes é preciso que o Verão continue a queimar minha pele. E que as marcas façam-me lembrar dos dias de sol. E que venha o Outono e que a árvore dos meus dias dispa-se das suas folhas dos preconceitos, medos, receios e recuos. E dos desejos não realizados. E que venha também o Inverno com seu frio e suas solidões. E que o vazio dos seus dias cinzentos deixem-me receptiva ao inesperado. E então há-de vir a Primavera. E das sementes adormecidas brotarão flores. E com um pouco de sorte encontrarei quem as saiba colher.

terça-feira, 5 de junho de 2012

Entranhas

Perco-me sempre neste transitar das tuas palavras não ditas. Tuas palavras malditas. Não sei ao certo que ler nestes teus olhos acusativos. Estes teus olhos que só fazem causar-me indigestões. E oferece-me tua alma. Diz-me teu preço. Que pensas? Acaso sou alguma espécie de diabo ou demónio? Não interessa-me o preço da tua alma. Se ela está à venda, não interessa-me. Tu não vieste das minhas entranhas, mas persiste em nelas morar. Somos sempre as mesmas palavras derramadas. As mesmas palavras entrevadas.As mesmas malditas palavras. Não cansaste-te disto? Tuas litanias ferem os meus ouvidos. Desconcertam-me. E vejo que viciei-me no amargor dos teus lábios. Só teu veneno cura-me da paz abominável. Viciamo-nos nesta brincadeira de fazer doer. Tens a arte da contemplação dos olhos meus rasos d'água. E eu, só eu sei como preferes que cravem-te o punhal. As tuas notas, todas as notas da tua canção de leviandade penetram-me desde antes dos nossos olhos se estranharem. Nossos olhos, que a despeito do espaço, insistem em se enterrarem. E as palavras esquecidas, existiriam de fato? As palavras,tais quais espadas afiadas, tornam as feridas cada vez mais profundas. E nossos grilhões? Quando os deixaremos? Sete vezes tentei fugir. Mas minhas entranhas ainda guardam o perfume do teu silêncio.