quarta-feira, 21 de maio de 2014

Caso antishakespeariano

Esperança finda. História ainda. Reconto nossa história para encontrar sentido no eco das memórias falhadas. É que eu não te amava feito Julieta e tu nunca foste Romeu. Nenhum engano ou tragédia se interpôs a nós dois. Só frases interditas. Palavras mal ditas. Sílabas inauditas. Tentamos ser Antônio e Cleópatra, mas nos faltaram impérios, víboras, lascívia e romance. O fio que tecia a nossa história era o mar quando por nós atravessado. Agora é o mar que nos atravessa. E o fio não pode tecer lenço ou qualquer Iago, de modo que Otelo e Desdêmona passaram longe de nós. Nenhum grande ciúme envenenou nossas almas. Nenhum abstêmio juramento fizemos e, entre França e Navarra, nenhum trabalho de amor foi perdido. Só subjuntivamos nosso encontro. E se os olhos continuassem fechados? E se os lábios se encontrassem? Nem Hérmia ou Helena sou. Nem és tu Lisandro ou Demétrio. Nada de elfos ou uma noite tão longa de verão na nossa história. Entretanto, o outono fez das nossas vidas uma cidade sitiada. Longe de Verona, Alexandria e Atenas a história é finda. Mas as letras sobre o caderno cantam a esperança ainda.