sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Naufrágio de palavras

Ouço o som do vento lá fora. Ouço o silêncio do tempo cá dentro. Todas as tuas vozes mentem. Ouço-as todas. O vento agita as páginas de um velho livro pousado à janela. O livro mente amores. Esses tais amores que tantas bocas cantam à cada esquina. E cada poeta que canta seus feitos canta com tanta propriedade que sinto cada vez mais vetado a mim o uso do vocábulo. Ouço o som do vacilo das tuas pernas ao caminhar em minha direcção. Tu não vens. Não sei se o fogo ardeu sem ser visto. Não sei. Nunca saberei. Teus dedos mentem quando pegas a pena? Com a pena não mentes. Todas as tuas invenções são tão reais quanto o vento que agora carrega os pedaços do que um dia foi uma carta dirigida a ti. Eu menti. Menti meu desamor. Não reparaste que em momento algum meus olhos tocaram os teus? Não, tu não reparaste. Não reparas em mim. O vento traz folhas do fim do outono. Nenhum outono vence o inverno. Mesmo teus invernos foram-me verões. Mas as naus continuam a seguir mesmo sem ti. Teu barco permanece ancorado mesmo que mintas a ti o contrário. Estendo minhas velas ao vento. Sempre. O vento leva-me ao meu destino. Os ventos rasgam o silêncio que não quis se calar. Queria que soubesses calar nossos subjuntivos. Tu não o fizeste. Em vez disso, pôs ponto final em nossas orações. Culpamos o mar. Culpaste o tempo. Culpo o medo. Minhas velas incertas guiadas por ventos passageiros puseram medo ao coração do marinheiro. Meu barco precisa do vento. O vento que nos afasta e leva tuas palavras ao fundo do mar. E ouço o vento calar as tuas vozes.

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