sexta-feira, 16 de março de 2012

Dizem as vozes

E foi inesperadamente que a paz perdi. Eu procurava as palavras, mas estas fugiam-me. Busquei alívio em versos, poemas, prosas, sentenças... Em livros e mais livros escondi-me. Entretanto, em nenhum deles morava a minha paz.
E a vida fez-se fria e vazia. E o tom que nunca possuí,perdi-o. E o mundo não deixou de mover-se. A banda não parou. O Universo, em momento algum, se calou.
Então, as palavras perderam seus significados. Ficaram todos dispersos, suspensos no ar. A significância dos vocábulos partiu para um mundo essencial.
E para completar-se plenamente a inquietude interior minha, as palavras continuaram por aí, a circular libertas, travessas, a resvalar das montanhas e das línguas, a causar grande confusão pois, afinal, de que serve-me palavras que nada querem dizer?
E tudo no mundo perdeu o sentido. Virtudes e vícios, como distingui-los? E o bem? E o mal? Qual a diferença entre o útil e o fútil? O que é racional e o que desconhece completamente a razão?
Mas foi então que notei que o demônio em mim sorria ledamente e abençoava o caos. Foi assim que percebi que é só no desconcerto das ideias, na fragmentação das palavras e no completo desarranjo de sentimentos e significados que o meu mundo faz sentido. É na falência dos amores, nos conceitos desfeitos e nas imagens rarefeitas e incompreensíveis que minha mente trabalha e meus sentidos despertam.
E a paz? A paz? Quem disse que é paz o que hoje eu quero?

3 comentários:

  1. Serei breve, mas você entenderá o porquê da brevidade (é para não arruiná-la com palavras demais): belíssimo!

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  2. Como diria a nossa querida Ana Paula Arnaut: "absolutamente extraordinário".
    Apesar de toda sua paixão pela Literatura, desconhecia esse seu belíssimo dom criativo.

    "...é só no desconcerto das ideias, na fragmentação das palavras e no completo desarranjo de sentimentos e significados que o meu mundo faz sentido. É na falência dos amores, nos conceitos desfeitos e nas imagens rarefeitas e incompreensíveis que minha mente trabalha e meus sentidos despertam.
    E a paz? A paz? Quem disse que é paz o que hoje eu quero?"

    Final espetacular. Amei! ;D

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  3. É a prosa poética que revela o dom da prosa e do verso! Tens a verve literária de Clarice. Como afirmara Benedito Nunes, instaura o drama da linguagem! A meu ver, tens também bebido de fontes claricianas, e tens matado a tua e a minha sede!

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