quinta-feira, 23 de junho de 2011

Os violinos orgásmicos de Vivaldi

Senhores críticos de música que venham, quem sabe algum dia, a ler o que estou a escrever, perdoem-me, por favor. Sou apenas uma inocente cronista que, paralelamente adora música clássica, mas que desconhece toda e qualquer parte técnica do assunto. Tudo o que posso dizer, e direi, basea-se nas sensações que me causam a música, nas ideias a que me remetem.
Caminhemos, entretanto ao nosso assunto: o leitor já teve o prazer de apreciar "As quatro estações" de Vivaldi? Ao menos os movimentos de "Primavera" deves conhecer devido a um comercial duma famosa marca de sabonete cujo nome não citarei já que nada ganho com propaganda. Enfim, é um concerto fantástico! Na minha humilde opinião, entretanto, é no "Allegro de Inverno" que se encontra a alma deste clássico.
Começa com um suave e insinuante violino. É como o toque de pele com pele, aquele primeiro contato pseudo acidental que prefiro crer como manifestação do mais primitivo instinto animal. É um cruzar e descruzar de pernas incessante. É a total impossibilidade de ouvir ou ver qualquer coisa que não seja o seu objeto de desejo. É taquicardia involuntária. É o pensamento fixo no objetivo de conduzir outrem a querer o que tanto deseja.
São olhos que se tocam, olhos que se acariciam, olhos que se despem, olhos que se penetram.
Depois são pernas que acariciam pernas por baixo da mesa. Mãos que deslizam por rostos, braços, costas... E aí vem aquele frenesi dos violinos: corpos que se encontram, corpos que lutam, corpos a brincar de querer-e-não-querer, de ir, voltar, ficar.Perto e longe. Perto e longe.
E entra a orquestra. Imperiosa, provocativa, a tentar disputar espaço com os violinos como se fossem mãos a empurrar um corpo contra a parede ou para uma cama. Corpo sobre corpo. Pele com pele. Cheiro de canela. Gosto de cravo e gengibre. Calor. Calor não do Sol, mas do fogo à quase queimar a pele.
De repente, violinos, pernas, línguas, orquestra, braços, peitos, lábios, dentes, olhos se entrelaçam, se beijam, se tocam e se invadem num movimento rítmico, numa compulsão por transcender o intranscendível, numa necessidade visceral de materializar o enlace espiritual, de transformar o querer no ter. E por fim, vem o ápice: os violinos gemem num orgasmo avassaladoramente pecaminoso e ingênuo!
E volta-se à suavidade. Corpos entregues a uma tímida analgesia descansam da tempestade.
Mas os violinos voltam a ranger e lembram a respiração ainda ofegante que intercala-se à beijos famintos, lábios ainda não saciados. Logo, num instante, a orquestra solta um júbilo de gozo quase tão perfeito quanto o primeiro, levando corpos a uma exaustão ígnea.
E a música cessa. No entanto, o risinho malicioso fica em nossos lábios e a memória sensorial nos traz aquele olhar "de cigana oblíqua e dissimulada" tais quais Capitus que fomos, somos ou seremos. Com ou sem violinos.

6 comentários:

  1. Infelizmente nunca ouvi Vilvaldi, mas a descrição dita cima me lembra Peer Gynt do Grieg.

    ResponderExcluir
  2. O êxtase a que a música clássica nos remete é comparável aos maiores êxtases que a meditação Tantra nos proporciona.

    ResponderExcluir
  3. Os êxtases a que a música clássica nos remete são comparáveis aos êxtases que experimentamos na meditação Tantra.

    ResponderExcluir
  4. Adorei. Era isso que estava escrevendo enquanto conversávamos né?! Muito bom,envolvente. Não tenho palavras pra descrever. Parabéns,escreves muito bem.

    ResponderExcluir

Olá!Deixe seu comentário.Seja educado e responsável,ok?